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Egito: Um mergulho na história milenar

Alguns lugares nos remetem imediatamente aos livros escolares de História. O Egito Faraônico é um deles. Estar diante das pirâmides, dos tesouros da tumba de Tutancâmon, das estátuas colossais de Ramsés e dentro dos templos de Luxor e Karnak é como folhear novamente os textos e imagens emblemáticas de minha infância.

Texto e fotos por Beto Conte
beto@triptravel.com.br

A magia da antiguidade egípcia revivi com minha filha ao recontar para Elena as estórias daquela terra de múmias e faraós, ao folhearmos juntos um livro infantil do Antigo Egito, que permanece um de seus favoritos até hoje.

Após um ano de “hibernação” em função da pandemia, foi sensacional quebrar o jejum de viagens retornando a um local tão significativo, que concilia uma história milenar com seu fantástico legado arqueológico. A localização entre mares e desertos protegeu por milênios a civilização do Nilo, mas sua posição estratégica, no encontro de África e Ásia, foi disputada por todos os grandes impérios da Mesopotâmia e do Mediterrâneo.

Foi uma verdadeira viagem no tempo, desde a unificação do Alto e do Baixo Egito em 3100 a.C., passando pelas 30 dinastias da Antiguidade Egípcia, pelas invasões Assíria e Persa, pelo “revival“ faraônico greco-romano e pelo fim dessa ancestral cultura, com a cristianização bizantina e subsequente islamização árabe.

A trama histórica prosseguiu com domínio omiade, abássida, fatimida, ayubida, mameluko e otomano. Além da invasão napoleônica, da colonização britânica, da monarquia local e da conquista da independência em 1952. A era Nasser, Sadat e Mubarak, a primavera árabe e os desafios atuais fecham esta longa história de 5 mil anos.

AS GRANDES PIRÂMIDES

Nas necrópoles em torno de Memphis, a antiga capital do Baixo Egito no Delta do Nilo, os faraós do Reino Antigo construíram as maiores obras da Antiguidade. A era das grandes pirâmides se iniciou em 2650 a.C. com a pirâmide escalonada, em Saqqara, projetada por Imhotep para o faraó Zoser.

Aprimorou-se com as pirâmides Inclinada e Vermelha, em Dashhur, do faraó Sneferu – fundador da 4a dinastia. E atingiu precisão matemática em Giza, ao longo do século XXVI a.C., com as pirâmides de seu filho Quéops, do neto Quefren e do bisneto Miquerinos.

Uma experiência inesquecível foi penetrar na Grande Pirâmide de 146 metros de altura até a câmera funerária de Quéops. Incrível a sensação de estar no coração dessa obra faraônica, embaixo de 2,3 milhões de blocos de rocha calcária. Impressiona ainda mais o acabamento preciso desses blocos, que pesam em média 2,5 toneladas.

NILO: EIXO VITAL DA CIVILIZAÇÃO EGÍPCIA

A imagem do Nilo está presente em qualquer menção ao Egito. A necessidade de um sistema administrativo e de uma autoridade central para conduzir as obras que controlassem as cheias do Nilo levou à constituição da primeira nação-estado e da figura do faraó. As obras coordenadas de diques, represas e irrigação possibilitaram controlar o mais extenso rio do planeta. O Nilo funciona como forma de transporte de pessoas, produtos e transmissão de conhecimento e cultura ao longo dos tempos.

Por tudo isso, navegar pelo Nilo resgatou da minha memória juvenil as aulas de geografia do irmão José, na 7a série do colégio do Carmo, de Caxias do Sul, que a cada aula nos fazia viajar por partes de nosso maravilhoso mapa-múndi. É daquela época a visão do planeta como um grande mosaico, em que cada viagem, palestra, livro ou filme vai completando a imagem final.

Navegamos pelo Nilo de Assuam a Luxor. Ao longo do caminho, há povoados ribeirinhos com os minaretes das mesquitas competindo com as palmeiras, e as áreas costeiras verdejantes contrapondo a aridez do deserto ao fundo. Passamos quatro prazerosos dias no ritmo e balanço do mais emblemático dos cruzeiros fluviais, atracando ao longo do caminho junto a templos dedicados aos Deuses que controlavam as forças da água e do sol.

No percurso visitamos, à margem do Nilo, três templos do período Ptolomaico – a dinastia grega que dominou o Egito a partir de Ptolomeu I, um dos generais de Alexandre o Grande, que ficou com essa parte do império conquistado. Por 300 anos essa elite governamental grega adotou a cultura e a religião egípcia faraônica. Conhecemos bem o fim da história, com Cleópatra, filha de Ptolomeu XII, e a anexação do Egito ao império romano, que adota a imagem de “Cesar” como faraó e amplia
templos dos Ptolomeus dedicados a Deuses Egípcios.

Os templos de Philae, dedicado à deusa Isis, de Kombo Ombo, ao deus-crocodilo Sobek, e o de Edfu, dedicado a Horus, Deus do Egito Antigo que representa o poder do faraó e que harmoniza as forças entre o mundo terrestre e celeste, registram na pedra essa combinação da cosmologia do Egito Antigo com a estética greco-romana.

ABU SIMBEL

O meu complexo arqueológico preferido foi construído por Ramsés II no séc. XIII a.C. no limite do seu império, às margens do Nilo, na Nubia recém-conquistada, demarcando de forma majestosa a entrada de suas terras. Trata-se de dois grandes templos, os mais meridionais do Egito e entre os mais bem conservados, escavados em rocha de arenito. Enterrados na areia durante séculos, os templos foram descobertos parcialmente em 1813 pelo explorador suíço Burkhard.

Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco, Abu Simbel impressiona por suas dimensões grandiosas e sua história recente. Devido à construção da barragem de Aswan, que represa o Nilo formando o lago Nasser, os templos ficariam submersos. Na década de 1960, com a ajuda da Unesco, foi empreendido um grande e milionário esforço para desmontar os dois templos, peça por peça, e reconstruí-los mais no alto. O Templo de Ramsés tem uma fachada de 30 metros de altura e 40 metros de comprimento, com quatro enormes estátuas do faraó. Salas e corredores entalhados na rocha, com afrescos e baixos-relevos, se estendem por 55 metros até o santuário, onde duas vezes por ano, em um ato de perfeição astronômica, o sol atravessa o templo ao amanhecer para iluminar as estátuas dos deuses. Já o templo ao lado, dedicado à Deusa Hator foi construído em homenagem à esposa preferida de Ramsés, Nefertari.

ASWAN

Uma experiência única foi pernoitar no hotel Sofitel Legend Old Cataract, construído em 1899 por Thomas Cook para receber viajantes europeus em busca dos templos do Egito faraônico no vale do Nilo. A localização não poderia ser melhor, em um penhasco junto ao rio e em frente à ruína de um templo, com dunas do deserto ao fundo. No final da tarde velejamos em uma felluca, embarcação tradicional da Antiguidade Egípcia, e à noite jantamos no restaurante 1902, que leva no nome o ano de sua abertura, comemorando a inauguração da represa britânica de Assuam.

O arqueólogo Howard Cárter, que descobriu a tumba de Tutankhamon, hospedou-se lá, assim como Ágatha Christie, que ambientou no hotel parte de seu romance “Morte no Nilo”.Também ficaram no hotel personalidades como o Tsar Nicholas II, Winston Churchill, Jimmy Carter, François Mitterrand, a princesa Diana e Queen Noor. A série árabe no Netflix “O segredo do Nilo” também foi ambientada na “minha casinha”. Adoro esses lugares com uma boa história.

LUXOR

O lugar que mais me faz viajar no tempo é Luxor, a antiga Tebas, capital do alto Egito por mais de um milênio. O templo de Luxor, dedicado ao Deus Amon-Min, força e fidelidade, foi iniciado por Amenofis III em 1420 a.C. e ampliado por Ramses em 1245 a.C. Alexandre, o Grande, anexou um santuário no século IV.

Abandonado com a cristianização do império romano, apenas no século XII retoma a atividade, com uma mesquita construída no local. A longa avenida de esfinges o liga com Karnak, o maior complexo de templos do Egito, com 1.800m por 800m. Foi ampliado ao longo de 2.200 anos – da XVII dinastia faraônica ao período romano. Seu imenso templo de Amon, de 26 hectares, foi o mais importante centro cerimonial ao longo do Novo Império (1500 a 1000 a.C.). Sempre me impressiona a Sala Hipóstila, com suas 134 colunas maciças, seus obeliscos e estatuária.

Champolion, ao decifar em 1822 a escrita hieroglífica, fez aflorar dos obeliscos e baixos-relevos os fatos e feitos de Amenofis, Hatshepsut, Tutmosis e Ramses II. Aconselho finalizar com o Museu de Luxor, para um último “olho no olho” com os personagens da história de Thebas como centro político e cerimonial do Egito.

VALE DOS REIS

Enquanto a capital era em Menphis (3200 a 2200 a.C.), no Baixo Egito, os faraós eram sepultados em pirâmides. A partir do Reino Médio, quando a capital muda para o sul, em Thebas no Alto Egito, os faraós passam a ser sepultados no deserto, na base de uma montanha – já no formato natural piramidal. No vale dos Reis, na margem ocidental do Nilo em Luxor, já foram descobertas 63 tumbas escavadas na rocha – de 1600 a.C. (Tutmosis I) a 1000 a.C. com as câmeras funerárias de faraós da XVIII à XX dinastia. Nas tumbas do Vale dos Reis os corredores são ricamente decorados com hieróglifos em baixos-relevos coloridos com textos do livro dos mortos e do livro das horas, preparando para a viagem a próxima vida.

A tumba que mais me fascina no Vale dos Reis é a de Tutankhamon. Quando criança li sobre a “maldição” que recaiu sobre todos os envolvidos na sua descoberta em 1922. A aventura recontada à minha filha Elena, que arregala seus já grandes olhos azuis, me faz sentir o próprio arqueólogo Howard Cárter entrando na tumba intocada, com seus impressionantes tesouros, que hoje estão no Museu Egípcio do Cairo. Em 2022 celebra-se o centenário da descoberta da tumba de Tutankhamon, com seu sarcófago e tesouros intactos.

Do outro lado da montanha tem o Vale das Rainhas, com a imponente tumba de Hatshepsut – esposa real, regente e rainha-faraó do Antigo Egito. Viveu no começo do século XV a.C., pertencendo à XVIII Dinastia do Reino Novo. O seu reinado, de cerca de 22 anos, corresponde a uma era de prosperidade econômica e relativo clima de paz. Uma experiência inesquecível é o voo de balão a partir do desértico Vale dos Reis, sobrevoando o Nilo e os templos, Luxor e pousando nos campos verdejantes no entorno da cidade. Bárbaro! Digo, faraônico!

CAIRO

Desde a conquista árabe em 642 d.C., o centro geopolítico gira em torno do Cairo, capital do país com 10 milhões de habitantes. Destaco o Museu Egípcio do Cairo, que nos conduz, com suas obras, desde a unificação do Alto e Baixo Egito em 3.100 a.C. ao período dourado das pirâmides, com a estátua de Quefren talhada em uma única pedra de diorito, o tesouro de Tutankhamon, obra-prima da arte funerária do Novo Reino, até a queda da última dinastia, dos Ptolomeus, em 30 a.C.

Parte do seu acervo, como o setor das múmias, já se encontra no Museu Nacional da Civilização Egípcia, e a maior parte de suas 124 mil peças está sendo transferida para o Grande Museu Egípcio, a ser inaugurado junto às pirâmides. Motivo para retornar!

Outro local que sempre revisito é o baazar Khan el Khalili – uma viagem ao período Mameluco do Cairo, com seus arcos e ruelas cheias de cor, e o café onde Naguib Mahfouz, prêmio Nobel de Literatura de 1988, escreveu “A Trilogia do Cairo”, em que cada um dos livros é batizado com o nome de um bairro da capital egípcia.

SINAI – A PARTE ASIÁTICA DO PAÍS

Após ter mergulhado na milenar história do Egito faraônico fechei a visita ao país com chave de ouro, relaxando nas águas do Mar Vermelho, na Península do Sinai. Gosto muito dessa combinação de imersão cultural terminando com alguns dias de lazer. Foi maravilhoso desfrutar do Four Seasons Sharm El Sheik, que parece um povoado do deserto, com suas torres ocres das áreas comuns e as acomodações espalhadas em diferentes níveis e por entre os jardins da propriedade. Sempre com vista para o Mar Vermelho, mais azul impossível.

Adorei o “house reef” que se acessa diretamente do píer do hotel e me transportava ao mundo mágico subaquático – multicolorido e com formas diversas – e o passeio de Yatch em Ras Muhammad, o mais antigo parque nacional do país. Fiz scuba diving pela manhã e à tarde, neste que é considerado um dos melhores spots de mergulho do mundo, com mais de mil espécies de peixes, além das tartarugas marinhas que adoro. Pretendo voltar para fazer mergulho de naufrágio junto aos destroços do SS Thistlegorm.

Recomendo bem o Farsha Café – um restaurante superdescolado em um penhasco junto ao mar, ambientado como antiquário, lounge music, iluminação e decoração étnica compondo um ambiente único. Adorei o astral. Gostei demais desses dias na Península do Sinai, nome que nos remete aos textos bíblicos, bem como por sua posição estratégica: junto ao disputado canal do Suez de um lado, Israel e faixa de Gaza do outro. Um lugar idílico para sol e mar, com sua pitada de história e geopolítica, bem como eu gosto.

ALEXANDRIA

Se o mundo dos faraós reforça meus laços de curiosidade com Elena, é em Alexandria que me conecto com meu mentor cultural, o historiador Alexandre Roche: o humanista francês que concebeu há três décadas os nossos “Grand Tours”, viagens de imersão cultural que conduzo, dando continuidade a seu legado. O casal Roche vivia na comunidade francesa de Alexandria até 1956, quando tiveram de partir em função das políticas xenofóbicas nasseristas.

Porto Alegre ganhou com isso um de seus maiores intelectuais, que formou várias gerações na civilização francesa e geopolítica global. Após mais de uma década de viagens juntos explorando as diversidades regionais da França, tive o privilégio de acompanhá-los no retorno a Alexandria após meio século. Foi emocionante proporcionar que resgatassem o passado afetivo no “lycée” onde o professor e a aluna se conheceram, a morada do casal e a praia onde Mme. Roche ia com as filhas.

A cidade fundada por Alexandre, o Grande, estará sempre ligada a esse outro Alexandre que tanto admiro e que me treinou a ver o mundo sempre com as conexões no tempo e espaço. Ensinamentos e olhar que busco transmitir à minha filha Elena.

VIAJE COM O BETO

Em fevereiro 2022 Beto acompanha o Grand Tour Egito refazendo o itinerário apresentado nessa matéria. Uma ótima oportunidade de explorar as belezas do país em pequeno grupo com todo o suporte de quem conhece bem o destino.

CONFIRA OS EPISÓDIOS SOBRE O EGITO DA SÉRIE BETO NO MUNDO:

EGITO FARAÔNICO, POR BETO CONTE
EGITO PTOLOMAICO & ATUAL, POR BETO CONTE

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Categoria: África
Tags: cairo, egito, revista zaffari,

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